O que os sabonetes representam em nossa vida? - Modaaz
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O que os sabonetes representam em nossa vida?

Dia desses fui tomar banho e na saboneteira tinha vários toquinhos de sabonete. Aqueles toquinhos que já não ensaboam mais, que já estão ressecados ou, ainda, que estão liquefeitos, melecados, grudentos. Então, saí do chuveiro e fui ao armário pegar um sabonete novo. O último. Não havia outro. Pareço maluca, escrevendo isso. Sou psicóloga, escrevo artigos sobre qualquer tema que aborde seres humanos e seus conflitos, suas angústias, suas ocupações psíquicas, estamos em pleno Setembro Amarelo e estou falando sobre sabonetes.

Vamos lá! Vamos ao que viemos, pois. Os sabonetes me puseram a refletir. Estava tomando meu banho, pensando sobre a possibilidade de não ter tempo de ir ao mercado antes de acabar aquele último sabonete que tinha no armário. Ele se tornaria mais um toquinho de sabonete, duro ou liquefeito. Talvez eu pudesse juntar todos os toquinhos que encontrasse e conseguisse adiar minha ida ao mercado. Poderia. Mas seria o ideal? Não. O ideal seria ir ao mercado e comprar mais sabonetes. Ou então, meus banhos estariam fadados a serem sem espuma, sem cheirinho bom ou então melecados, com sabonetes se desfazendo e colando no meu corpo todo. Mas e aí? O que isso significa? Lhes digo: sobre a nossa vida, nós temos poder. Podemos tomar decisões, podemos escolher. Podemos ir ao mercado e ter sempre sabonetes em condições de propiciar um belo banho. Ou, podemos optar por juntar toquinhos e ir adiando a solução. Ir experimentando banhos em doses homeopáticas de prazer, porque sim, os toquinhos podem ter a mesma efetividade de um sabonete inteiro, que é limpar. Mas eles podem dar a mesma sensação de limpeza e cheirinho bom de um sabonete inteiro? Acontece que somos nós quem temos o poder de decidir de que forma queremos que sejam nossos banhos. De que forma queremos que sejam nossas vidas.

Foto: Reprodução Pinterest

Estamos no Setembro Amarelo, que é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio. Falei até agora sobre sabonetes porque fiz uma reflexão durante o banho sobre o suicídio. Uma pessoa que está submersa, cansada, com câimbras, não vê como emergir. Ela é a pessoa que deixa de ir ao mercado comprar sabonetes novos e vai juntando os toquinhos.
Podemos associar os toquinhos de sabonete às pequenas esperanças que elas sentem, vez ou outra. Algumas duras, sem produzir mais espuma e cheirinho bom. Algumas melecadas, que ficam grudentas e depois é difícil de limpar. E aí quando não dá mais para usar uma ou outra, junta tudo e tenta fazer uma coisa só, esperando que dê algum resultado diferente. Assim, mais ou menos, é uma pessoa que pensa em suicídio. Ela não vê mais alternativa, ela tenta várias coisas e não alcança o prazer, a satisfação, a paz. Ela enfia os pés pelas mãos, tentando acertar. Mas ela erra. E ela sofre com o erro porque o erro volta contra ela própria. Ela crê ter feito muito, um esforço absurdo para ter um resultado diferente e melhor do que os que vem tendo, e as coisas não fluem, não melhoram. Ela acredita que o mundo está contra ela, portanto. Que não há esforço suficiente a ser feito porque as coisas boas não são para ela. É o universo quem determina se ela terá sucesso. E o universo não quer. Os seres humanos todos à sua volta não querem. Ninguém quer. Não há saída. Entretanto, há. Porém, quem está nessa submersão não enxerga. Não respira.

Foto: Reprodução

O cérebro não oxigena. E aí eu lhes digo: vão ao mercado! Vão resolver na fonte! Vão onde é necessário ir! Façam o que precisa ser feito! Alguém em uma situação de risco precisa saber que há saída! E precisa de uma rede de apoio que mostre a saída. Qual a saída? Não, não é ir ao mercado. É ir atrás do tratamento. É buscar, por si própria, o melhor tratamento. Indicações, referências. É buscar saída, é buscar alternativas. Para alguns a saída é uma, para outros é outra, mas elas existem! Porém, como eu disse antes, somos nós quem temos poder sobre as nossas vidas. Não podemos ter a pretensão de achar que temos como manter a vida de alguém. Podemos fazer muito, sim. Podemos tentar além do que podemos e do que devemos. Mas não podemos ter a pretensão de achar que temos o poder. Temos, só que apenas sobre nós. Cada um tem poder sobre si próprio. Assim é, também, o suicida. Ele tem poder. Poder de decisão, de escolha. Ele não enxerga, mas ele tem. Ele tem gente submergindo junto dele para tentar soltar suas pernas, para que ele possa nadar até a superfície. Ele tem inúmeros recursos.

Foto: Reprodução

Com isso tudo, concluo que até chegar ao ponto de alguém desejar cometer suicídio, inúmeras idas ao mercado deveriam ter acontecido. Tem uma frase que diz: “A hora de consertar o telhado é quando não está chovendo”. Eu digo: a hora de ir ao mercado é antes de acabar o último sabonete. A hora de buscar ajuda, buscar saúde mental é antes, muito antes. É toda hora, é qualquer hora. A hora de ter saúde mental é em janeiro, é em fevereiro, é em março e assim por diante, sempre. Contem com seres humanos. Busquem seres humanos com que possam contar.

Foto: Reprodução

Aos seres humanos que estão tentando salvar um suicida, ou mesmo tentando salvar alguém que esteja indo para o caminho do buraco, esteja disponível, sim. Porém, saiba dos próprios limites. Se conheça. Considere-se. Existem profissionais habilitados para dar conta daquilo que não se pode alcançar. Tenha a consciência tranquila, se foi feito tudo o que poderia. Não temos o poder sobre ninguém, além de nós mesmos. Temos força para partilhar com quem precisa, mas não podemos ter a pretensão de achar que depende de nós alguém ficar vivo. Busquem, todos, apoio, amparo, conhecimento, esclarecimento. Busquem saúde mental. Busquem vida psíquica. Busquem, todos!

Franciele Andrade

francielepsico@gmail.com

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